Partilhar Camões
- Jornal Agrupamento de escolas Dr. Flávio Gonçalves
- 8 de abr.
- 4 min de leitura
No âmbito da Semana da Leitura que decorreu entre 31 de Março e 4 de Abril, a Biblioteca Escolar, pela mão da Profª Daniela Barca, promoveu uma atividade especial intitulada Partilhar Camões, que trouxe de volta à escola rostos bem conhecidos da comunidade educativa: docentes aposentados. Num gesto simbólico e afetivo, estes professores regressaram à sala de aula para partilhar com os alunos a riqueza da obra de Luís de Camões, poeta maior da língua portuguesa e do mundo. A iniciativa teve como objetivo não só celebrar a leitura e a literatura, mas também criar um elo entre gerações, valorizando o conhecimento e a experiência dos antigos docentes.
A sessão abriu pelo dizer do escritor Aurelino Costa, que deu voz aos versos de Os Lusíadas. A sua intervenção ficou marcada por uma interpretação cheia de emoção e respeito pela literatura clássica. A sua abordagem não se limitou apenas à leitura, mas expandiu-se para uma apresentação mais visceral e profunda do texto, aproximando o público da obra de forma quase performática. O escritor deu nova vida aos textos, conectando-os com a realidade atual e com as inquietações do presente.
A professora Manuela Bacelar conduziu os presentes por uma fascinante viagem no tempo, oferecendo uma verdadeira aula de História e Humanismo. Com profundidade e clareza, ela desenhou o contexto histórico e cultural que moldou a vida e a obra do poeta. Através de uma abordagem cuidadosa, conseguiu revelar os aspetos sociais, políticos e culturais que estavam em jogo na época de Camões, permitindo que o público compreendesse como esses fatores moldaram o pensamento do autor.
As especiarias ganharam aromas e cor com a professora Teresa Coelho, acompanhada pelo aluno Diego, que, de forma envolvente, deu corpo e voz ao próprio Camões. As especiarias são mencionadas como parte da riqueza encontrada nas terras distantes, sendo associadas à recompensa pela coragem e pelos sacrifícios dos navegadores. As especiarias surgem, não apenas como produtos valiosos, mas também como símbolos da ambição, do comércio e da conquista do desconhecido, temas centrais d’Os Lusíadas.
O professor Bernardino recordou a censura ao Canto IX, num momento de reflexão sobre liberdade e expressão. O Canto IX de Os Lusíadas, como grande parte da obra de Camões, mistura elementos históricos com questões mitológicas e morais, e foi muitas vezes interpretado e até censurado ao longo do tempo por questões de ideologia e conformidade social. Refletir sobre a censura a Os Lusíadas e, em particular, ao Canto IX, é pensar sobre como a arte, ao desafiar as convenções, pode gerar tensões entre a liberdade de expressão e a necessidade de conformidade com um poder dominante.
A professora Dores Milhazes levou-nos pelas plantas e pelas sombras do Adamastor, símbolo de medo e desafio. As plantas representam o novo, o desconhecido, a promessa de riqueza e descoberta, mas também o perigo do inexplorado. As selvas densas e as vegetações inóspitas que os navegadores encontram podem ser vistas como símbolos da resistência da natureza, da qual o Adamastor, com sua sombra monstruosa, é o principal guardião. O Adamastor, figura mitológica descrita por Camões no Canto V, é um dos personagens mais imponentes da obra, simbolizando tanto a ameaça das forças naturais quanto os desafios impostos por territórios inexplorados. A sua figura de gigante que emerge das águas da Tempestade representa a luta contra os limites e os medos que a humanidade encontra ao tentar expandir seus horizontes.
O professor Carlos Midões trouxe à lembrança os lendários Magriços da seleção portuguesa de futebol que brilhou no Mundial de 1966. A relação surge principalmente no sentido de ambos representarem momentos de grande conquista para Portugal, um no contexto das navegações e outro no futebol. Os Magriços, como os heróis de Os Lusíadas, tornaram-se ícones de perseverança e superação, levando a seleção portuguesa a um feito histórico. Eles capturam a mesma essência de ousadia e coragem presente na obra de Camões, que celebra os feitos grandiosos dos portugueses pelo mundo. Assim, ambos os momentos, o futebol e a literatura, são símbolos do espírito destemido de Portugal, com Os Lusíadas dando voz à epopeia dos navegadores e os Magriços à epopeia dos jogadores que encantaram o mundo no futebol. Houve ainda espaço para maravilhas do outro lado do Atlântico: a descoberta de um exemplar d’Os Lusíadas guardado no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro – testemunho da viagem da nossa língua pelo mundo, sublinhando a projeção internacional da obra camoniana.
A professora Margarida Almeida encantou ao apresentar a canção Verdes são os Campos, composta por José Afonso a partir de um soneto de Luís de Camões. A professora explicou aos alunos como a simplicidade melódica de Zeca Afonso realça a musicalidade natural da lírica camoniana. Sublinhou ainda que o poema, marcado por uma linguagem acessível e imagens da natureza, transmite sentimentos profundos de amor e saudade, características centrais da poesia de Camões. A escolha de Zeca em musicar este texto reforça a intemporalidade da obra camoniana, aproximando o poeta renascentista das gerações mais recentes através da música. Com esta explicação, Margarida Almeida criou uma ponte entre o património literário do século XVI e a canção de intervenção do século XX, e ajudou os alunos a perceber como a poesia pode ganhar novas formas e significados quando interpretada noutros tempos e noutros contextos.
A atividade foi recebida com entusiasmo e emoção, destacando-se como um dos pontos altos da Semana da Leitura, ao reforçar os laços entre passado e presente, escola e comunidade. Os alunos das turmas 5.º C e 9.º A foram os privilegiados espectadores – e participantes – deste espetáculo da alma. A leitura de excertos de Os Lusíadas, bem como a reflexão conjunta sobre o legado camoniano, proporcionou momentos de grande envolvimento e inspiração.
Alunos e professores reviveram, assim, a força da palavra e o poder da poesia, num ambiente de partilha e reencontro. Foi um belo convívio, pleno de sorrisos e de franca amizade. Uma manhã onde Camões falou não só pelas páginas, mas pelos gestos, pelas vozes, pelas memórias e pelos afetos. Construiu-se uma teia de emoções e conhecimento, reforçando o papel da escola como lugar de encontro e construção coletiva.
A poesia pode ser um laço invisível de união.
Professora Ana Paula Santos (Equipa BE)
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